quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Technorati

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Desejo e fé

Aquilo a que os filósofos desde a antiguidade clássica chamam de “desejo”, e que alguns pós-modernos ― como Gilles Deleuze ― celebraram nas suas contemplações, nada mais é do que uma fé conduzida pelo Homem para os objectos do mundo. O “desejo mundano” é uma fé transitória, impermanente e volúvel que não encontrou um caminho superior; a fé é o “desejo” definitivo, consciente e seguro dos seres humanos pela transcendência espiritual.

O “desejo” não é “razão”, não é “instinto”, não é “necessidade”, nem é “vontade”. É fé.

O ser humano distingue-se dos outros animais pela capacidade de “razão”, de compreensão das suas “necessidades”, pela condução dos seus “desejos” e pela sublimação dos seus “instintos”. Como não somos todos exactamente iguais, a manifestação do “desejo”, por parte de cada um de nós, faz-se de maneira diferente, consoante o nível de evolução em que nos encontremos.







Naturalmente que estou em desacordo com Espinosa e com Deleuze. Ambos afirmam que “não desejamos uma coisa porque é boa, mas julgamo-la boa porque a desejamos”. A isto, chamaram eles de “carácter positivo de desejo”, mas que no fundo, é o reforço negativo do subjectivismo do “desejo” que o confunde com o instinto, e que faz com que o “desejo” seja igualmente valorado em qualquer circunstância ― isto é, se ao desejarmos matar alguém e julgarmos esse acto como “sendo bom porque o desejamos”, então qualquer “desejo” fica assim justificado e validado sob o ponto de vista ético. Na medida em que a estética não pode ser desligada da ética, o “desejo”, que se identifica com a primeira, não pode ser separada da segunda.

Para além disso, a concepção de “desejo” de Espinosa e Deleuze é claramente um sofisma, que ademais se baseia na lógica aristotélica do “princípio da contradição” absoluta e no “princípio do terceiro excluído” (ou uma coisa, ou outra; “to be or not to be”) . Em alvedrio, eu diria que “desejamos uma coisa porque é boa e julgamo-la boa porque a desejamos” ― porque existe uma biunivocidade na relação entre as duas proposições. Em alternativa ao exclusivismo de Espinosa e Deleuze, o inclusivismo das duas proposições, para além de lógico, é muito mais positivo, mais criador e gerador de valor.





Contudo, é bom que se diga que os “desejos” que se manifestam por apetites e impulsos naturais de ordem física não estão em conflito com as realizações espirituais mais elevadas; pelo contrário, é através do “desejo” mundano que o ser humano poderá compreender o “desejo” supremo da fé que procura o caminho correcto para si, em determinado estádio da sua evolução. Assim como os “desejos” de uma determinada pessoa não são exactamente iguais aos “desejos” de outra, a fé de um não é igual à fé de outro. Porém, a subjectividade do “desejo” assim entendida tem uma lógica dialéctica objectiva (“dialéctica” não no sentido hegeliano da metáfora do “senhor e do escravo”, mas num sentido cósmico) ― existe um caminho que se trilha transpondo, e ultrapassando pela compreensão, as contradições da existência.

Por isso, existem dois extremos que bloqueiam a evolução espiritual do Homem: as mentes ignorantes, mal instruídas e tomadas por escrúpulos extremados, que não compreendem a verdadeira importância do papel do “desejo” mundano e físico na evolução espiritual, e as pessoas que entram em conflito com a natureza normal. Um homossexual por aculturação ― que recusa a sua natureza e contra ela se rebela ― e um moralista extremista ― que não compreende a natureza do “desejo” mundano como precursora do entendimento do “desejo transcendental” ― fazem parte do mesmo problema: não interiorizaram ainda a verdadeira natureza do “desejo” físico e o papel que este desempenha na evolução espiritual do Homem.
A aceitação do “desejo” físico e mundano de uma forma consentânea com a Natureza, promove, em si mesma, a evolução espiritual do ser humano; o excesso de escrúpulos moralistas (por exemplo, um fundamentalista religioso) e os desejos físicos desenfreados ou pouco naturais (por exemplo, o comportamento sexual promíscuo e obsessivo), são as duas vertentes do obstáculo que bloqueia o caminho do “desejo mundano” em concomitância com “desejo transcendental”, isto é, da fé.

Sob o ponto de vista da filosofia clássica, podemos definir o “desejo” como a busca de um objecto que se imagina ou que se sabe ser fonte de satisfação. Por isso, o “desejo” é acompanhado de um sentimento de falta ou de privação, isto é, de sofrimento. Por outro lado, o “desejo” mundano parece recusar a sua satisfação, pois mal ela é realizada, ele apressa-se a fazê-la renascer: o “desejo” mundano quer e não quer ser satisfeito, exactamente porque o objecto do “desejo” mundano não corresponde ao desejo transcendental e intrínseco do Homem. Porém, o “desejo” físico e mundano, quando é saudável e de acordo com o comportamento normal na natureza, é também necessário ao ser humano evolucionário: entre o desprendimento e a plenitude, o “desejo” é a busca; e a filosofia ― como “amor” à sabedoria ― tem origem no “desejo” mundano que se transforma, em muitos casos, em “desejo” transcendental” (fé).

Para Platão, se o “desejo” é essa carência radical, é porque exprime a nostalgia de um mundo divino e pleno; portanto, não sou eu que comparo a “fé” ao “desejo”: Platão já o tinha feito por outras palavras.




segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Citação blogosférica

«Para os meus pais!!

Apesar de estarem longe um do outro fisicamente, sei que hoje vocês estão juntos em pensamento.
Parabéns aos dois pelos vossos 29º aniversário de casamento! Apesar de todos os altos e baixos vocês são um exemplo de que um casamento pode ter sempre amor, amizade, alegria e companheirismo... tenho muito orgulho em vocês e fico toda babada quando as pessoas me vêm dizer que vocês completam-se, um não era nada sem o outro!
São 29 anos anos cheios de coisas boas e más, com dois filhos bem criados e agora com uma neta linda que veio aumentar ainda mais a vossa felicidade! Espero um dia, tal como vocês comemorar os meus 29 anos de casamento!

Beijocas aos dois!»

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Breve História do Machismo

Texto de Olavo de Carvalho

As mulheres sempre foram exploradas pelos homens. Se há uma verdade que ninguém põe em dúvida, é essa. Dos solenes auditórios de Oxford ao programa do Faustão, do Collège de France à Banda de Ipanema, o mundo reafirma essa certeza, talvez a mais inquestionada que já passou pelo cérebro humano, se é que realmente passou por lá e não saiu directo dos úteros para as teses académicas.

Não desejando me opor a tão augusta unanimidade, proponho-me aqui arrolar alguns factos que podem reforçar, nos crentes de todos os sexos existentes e por inventar, seu sentimento de ódio ao macho heterossexual adulto, esse tipo execrável que nenhum sujeito a quem tenha acontecido a desventura de nascer no sexo masculino quer ser quando crescer.

Nosso relato começa na aurora dos tempos, em algum momento impreciso entre Neanderthal e Cro-Magnon. Nessas eras sombrias, começou a exploração da mulher. Eram tempos duros. Vivendo em tocas, as comunidades humanas eram constantemente assoladas pelos ataques das feras. Os machos, aproveitando-se de suas prerrogativas de classe dominante, logo trataram de assegurar para si os lugares mais confortáveis e seguros da ordem social: ficavam no interior das cavernas, os safados, fazendo comida para os bebés e penteando os cabelos, enquanto as pobres fêmeas, armadas tão-somente de porretes, saíam para enfrentar leões e ursos.

Quando a economia de colecta foi substituída pela agricultura e pela pecuária, novamente os homens deram uma de espertinhos, atribuindo às mulheres as tarefas mais pesadas, como a de carregar as pedras, domar os cavalos, abrir sulcos na terra com o arado, enquanto eles, os folgadinhos, ficavam em casa pintando potes e brincando de tecelagem. Coisa revoltante.

Quando os grandes impérios da antiguidade se dissolveram, cedendo lugar aos feudos perpetuamente em guerra uns com os outros, estes logo constituíram seus exércitos particulares, formados inteiramente de mulheres, enquanto os homens se abrigavam nos castelos e ali ficavam no bem-bom, curtindo os poemas que as guerreiras, nos intervalos dos combates, compunham em louvor de seus encantos varonis.


Quando alguém teve a extravagante ideia de cristianizar o mundo, tornando-se necessário para tanto enviar missionários a toda parte, onde arriscavam ser empalados pelos infiéis, esfaqueados pelos salteadores de estradas ou trucidados pelo auditório entediado com os seus sermões, foi novamente sobre as mulheres que recaiu o pesado encargo, enquanto os machos ficavam maquiavelicamente fazendo novenas ante os altares domésticos.

Idêntica exploração sofreram as infelizes por ocasião das cruzadas, onde, armadas de pesadíssimas armaduras, atravessaram os desertos para ser passadas a fio d'espada pelos mouros (ou antes, pelas mouras, já que o machismo dos sequazes de Maomé não era menor que o nosso). E as grandes navegações, então! Em demanda de ouro e diamantes para adornar os ociosos machos, bravas navegantes atravessavam os sete mares e davam combate a ferozes indígenas que, quando as comiam, – era porca miséria! – no sentido estritamente gastronómico da palavra.

Finalmente, quando o Estado moderno instituiu o recrutamento militar obrigatório, foi de mulheres que se formaram os exércitos estatais, com pena de guilhotina para as fujonas e recalcitrantes, tudo para que os homens pudessem ficar em casa lendo A Princesa de Clèves.

Há milénios, em suma, as mulheres morrem nos campos de batalha, carregam pedras, erguem edifícios, lutam com as feras, atravessam desertos, mares e florestas, sacrificando tudo por nós, os ociosos machos, aos quais não sobra nenhum desafio mais perigoso que o de sujar nossas mãozinhas nas fraldas dos nossos bebés.

Em troca do sacrifício de suas vidas, nossas heróicas defensoras não têm exigido de nós senão o direito de falar grosso em casa, de furar umas toalhas de mesa com pontas de cigarros e, eventualmente, de largar um par de meias no meio da sala para a gente catar.