quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Conservadorismo (1)
O mundo é marcado e dividido por ideologias políticas, o que se reflecte na existência de partidos políticos que espelham, até certo ponto, a realidade das diferentes ideologias. Nesse mundo fragmentado sob o ponto de vista ideológico-político, o Conservadorismo ― que na minha opinião não é uma ideologia política no sentido vulgar ― foi até há bem pouco tempo considerado decadente e anacrónico pelos ideólogos e analistas políticos. Não sendo o Conservadorismo uma ideologia política propriamente dita ― contrariando a maioria das opiniões nesta matéria ― tem sido, porém, erroneamente considerado como uma “anti-ideologia” pelos ideólogos políticos modernistas, e principalmente pelos pós-modernistas. A verdade é que o Conservadorismo também não é uma “anti-ideologia”, como se verá mais adiante.
Gosto da seguinte definição de Conservadorismo: é uma “moral política”; sendo uma “moral política”, não é contudo uma “política da moral”, isto é, existe no Conservadorismo uma predominância da ética e da moral sobre a política, porque a ideologia política nunca pode definir a ética, embora tenda sempre a submetê-la, na medida em que toda a ideologia política tende para um totalitarismo. Não sendo o Conservadorismo uma ideologia política, não pode assumir tendências totalitárias: um conservador pode votar em diversos partidos políticos dependendo da conjuntura política, e é essencialmente independente do ponto de vista partidário. Um conservador é um “livre pensador” na medida em que não está comprometido com nenhuma ideologia política, embora aceite melhor e por uma questão de princípios, determinadas ideologias, do que outras.
Assim, para um conservador, o espírito humano tem primazia sobre os aspectos económicos definidos pelas ideologias políticas: para o conservador, o espírito tem primazia sobre a matéria, a política sobre a economia e o dinheiro, ao contrário ― por exemplo ― do neoliberal que defende nitidamente o primado da economia sobre a política.
Para um conservador europeu, e ocidental em geral, a ética de que se fala aqui é a única passível de ter esse nome na Europa: é a ética que fundou a civilização europeia desde a Antiga Grécia, que passou pelo Império Romano e que evoluiu até meados do século XIX da nossa era (a partir de 1840, sensivelmente, a filosofia que molda a ética estagnou e involuiu mesmo, passando então a ética a ser anulada por uma visão utilitarista da política que marca um período negro de uma versão burguesa e cientificista da civilização europeia que se prolonga até hoje) e que foi sofrendo uma evolução consentânea com princípios cristãos que marcaram a nossa civilização. Naturalmente que essa ética que o Conservadorismo defende é uma ética cristã, porque não existe ética coerente sem uma religião ― seja ela um monoteísmo, um deísmo, um politeísmo ou um monismo religioso como é o Naturalismo. A pseudo-ética ateísta e libertária é uma ética presentista que se baseia em resquícios culturais do Cristianismo ainda presentes na sociedade europeia, e que tendendo a desaparecer, será inexoravelmente substituída por outra ética religiosa (a ética islâmica, por exemplo) com o passar das gerações. O conservador europeu opõe-se a esta substituição religiosa e mantém o Cristianismo como “a religião da Europa”.
O Conservadorismo é uma visão histórica da sociedade que se projecta no presente e esboça o futuro, e que se espelha no nacionalismo integral e espiritual de Teixeira de Pascoaes e não num mero nacionalismo tradicionalista. Neste sentido, a Europa é uma “Europa das nações” e não um leviatão europeu presentista e construído a partir de uma obliteração revolucionária da História.
A ideia ― propalada pelos seus detractores ― de que o Conservadorismo é incompatível com a democracia e de que é uma aristocracia (no sentido dado por Platão), para além de falsa, é hipócrita. Existe hoje uma aristocracia composta por ditos “libertários de esquerda” no nosso país, o que revela a hipocrisia de quem condena uma ideia política, adoptando-a. A existência de uma aristocracia não agrilhoa o Conservadorismo a uma determinada visão passadista da História, nem se pode dizer que o Conservadorismo seja mais “aristocrático” do que outra forma qualquer de estar na vida e de encarar a política.
Não sendo uma ideologia política “tout cours”, o Conservadorismo é “uma forma de estar” no mundo, é uma filosofia de vida e uma determinada maneira de encarar a Vida e o Universo.
Todo o ser humano, no seu estado normal de equilíbrio psicológico, é um conservador, independentemente da sua geração e sua faixa etária, porque em cada sociedade coexistem três gerações: os jovens, os maduros e os “maiores” ― para utilizar uma expressão espanhola deliciosa, que substitui “viejos” por “mayores”. Estas três gerações coexistindo significam que qualquer actualidade tem três tempos distintos e que qualquer presente é enriquecido por três dimensões vitais distintas, coexistindo as três gerações em essencial “hostilidade conservadora” ― cada uma delas tentando “conservar” os seus valores. O jovem pretende conservar a sua visão do mundo que se distingue da visão conservadora do mundo de um homem maduro, mas esse jovem será um conservador “maior” quando atingir a terceira idade. O que o Conservadorismo faz é a síntese dessa visão conservadora vital tridimensional e multi-geracional presente na sociedade, tendo em conta a análise histórica que determina quais os elementos culturais, sociais e humanos que devem ser conservados para que possam conduzir a uma melhoria de vida da esmagadora maioria da população. Ao contrário disto, o Libertarismo destaca e separa as gerações uma das outras, não criando uma ligação entre as três gerações, antes tentando minar qualquer visão holística e global da sociedade, utilizando para tal fim, a mente revolucionária.
Utilizando uma metáfora para marcar diferenças
A ideologia está para a política e para a sociedade, como a Ciência está para o Universo. A ciência cria um objecto compartimentado a que se dedica, e toda a visão de uma determinada ciência parte da análise desse objecto que elegeu como essência da sua acção de análise. Embora cada vez mais as ciências cruzem informações e experiências entre si, a verdade é que a especialização em determinadas áreas confere às ciências uma visão de perspectiva a partir das áreas a que se dedicam.
Em contraponto, o Conservadorismo está para a política e para a sociedade, como a Filosofia está para o Universo. O Conservadorismo parte de uma análise global da sociedade, e não de uma análise de perspectiva como faz a ideologia política. Neste sentido, o Conservadorismo parte sempre de uma posição de cepticismo em relação aos dados que dispõe relativos à sociedade e que lhe são colocados, isto é, o conservador começa por duvidar, para depois, em função de evidências que comprovem determinadas teorias como estando de acordo maioritário com a Natureza, adoptar posições políticas que podem coincidir (ou não) circunstancialmente com uma ou diversas ideologias políticas em presença. Não há uma verdade teorética mais qualificada do que a verdade fundada na evidência ― este é o lema do conservador. Portanto, a função do Conservadorismo é a resolução de “problemas teóricos” globais que se colocam à sociedade, ao contrário da ideologia política que se compromete na resolução de “problemas práticos” a partir de uma determinada perspectiva ou ângulo de visão. Enquanto que o Conservadorismo é “filosófico”, a ideologia é (regra geral) “científica” (entre comas).
Naturalmente que a ideologia política, como o faz a ciência, também duvida antes de afirmar uma “verdade”. Contudo, a “verdade” ideológica é uma verdade parcial determinada a partir de um ponto-de-vista específico. Resolvendo “problemas práticos”, a ideologia política tende a transformar aquilo que não é naquilo que é ou que tem forçosamente que passar a ser ― muitas vezes mesmo que isso vá contra a própria natureza das coisas ― e tal como acontece com as teorias científicas, esta atitude da ideologia política pode levar a erros de interpretação da realidade sociológica (e ontológica) que, por vezes, demoram décadas a serem corrigidos por novas teorias, e podem causar hecatombes humanas inenarráveis.
A ideologia política (em termos modernos) nasceu com o Positivismo da Revolução Francesa, e tal como o Positivismo, reduz a realidade ao “sensível” ― a ideologia política pertence à realidade social “sensível”, e acaba por isso por incorrer muitas vezes num fenómeno de “circulus in demonstrando”, que consiste em que as teorias políticas partem muitas vezes de princípios que deveriam provar como evidências antes de os adoptar como objecto de acção. Para a ideologia política, nada existe para além daquilo que lhe é “presente”, e por “presente” entende a ideologia política o que é “sensível” em termos sociais, aliando a “presença” dos factos (objectos) que compõem a realidade aos fenómenos “sensíveis” dessa realidade.
Contudo, o facto de algo “ser sensível” e o facto de outro algo “ser presente” são ideias muito diferentes. A “presença” (ou “representação”) refere-se a um modo de estar do Homem perante os objectos, presentes, imediatos, e /ou em oposição a outros modos de estar dos objectos em relação a nós próprios (representados em relação a um observador externo). A “sensibilidade” relaciona os objectos uns com outros, sem que se estabeleça necessariamente uma relação universal entre os objectos e divorcia-se de qualquer relação desses objectos, em geral, com um observador externo. O mundo “sensível” é o mundo das relações entre os objectos; o mundo “representado” (“presença”) passa por uma visão exterior (holística) do mundo dos objectos que interagem.
Por exemplo, o futuro de uma sociedade não é uma coisa “sensível”, mas a sua “presença” imediata é irrefutável. A ideologia política parte para uma concepção de “futuro” baseada na realidade “sensível” objectiva, na relação entre os objectos sociais passados que se projectam no presente e no futuro, enquanto que um conservador analisa a sociedade a partir de um ponto espacial e temporal exterior à própria sociedade, analisando “a partir de fora” os objectos em “presença”.
Naturalmente que todos nós sabemos que a ideologia política não é ciência, tal como a Teoria da Falsibilidade de Karl Popper demonstrou em relação ao Marxismo. Ando aqui em simples analogia; nada como a utilização de comparações mais ou menos absurdas para que nos façamos entender, porque o absurdo chama-nos à atenção para o que é lógico, despertando, assim, o nosso espírito crítico. E tanto assim é, que a ideologia política acaba por ser menos racional do que o Conservadorismo (que não é uma ideologia política em sentido estrito), porque enquanto que o conservador parte do princípio da “dúvida total” cartesiana e ontológica em relação à “realidade” e à mudança dessa realidade, o ideólogo político constrói uma teoria tendo como base o mundo “sensível” e acredita na validade e supremacia de uma determinada teoria em detrimento de outras, baseando-se numa visão de perspectiva e desprovida de quaisquer dúvidas. O teórico da ideologia política nunca tem dúvidas; o conservador faz da dúvida o seu método de análise do mundo.
A importância da História e da Religião no Conservadorismo
Nem todos os conservadores são religiosos praticantes, mas todos estão de acordo em relação à importância da religião para a consistência e continuidade da nossa civilização. A religião confere à sociedade a Ordem Moral necessária, e pese embora existam sempre agnósticos e não praticantes, a religião como princípio de ordem moral deve ser sempre maioritária na sociedade. Por isso, o conservador pensa que o Estado laico só o deve ser por respeito às diversas confissões religiosas em presença (incluindo o ateísmo), e não assumindo nunca uma atitude anti-religiosa. A partir do momento em que o Estado laico se torna anti-religioso, contribui activamente para a dissolução do combustível moral da sociedade, retirando à sociedade a possibilidade de auto-regeneração, para além de se divorciar do espírito maioritário presente numa sociedade em que a religião ainda mantém o seu papel de princípio de ordem moral, tanto no senso-comum (direito natural) como no espírito do Direito Positivo.
Para o conservador, a História não se resume a um processo dialéctico conforme preconizado por Hegel, de cujas ideias nasceram todas as ideologias políticas contemporâneas. Os Neo-conservadores americanos, também conhecido por “neocons”, adoptam também o princípio hegeliano que vê a História como um processo dialéctico que conduz a sociedade rumo à perfeição e à extirpação de todo o “mal”. Por isso, a confusão entre os neocons e os conservadores não faz sentido, na medida em que aqueles se aproximam muito mais dos utópicos libertários de esquerda, herdeiros da esquerda hegeliana, do que propriamente do conservadorismo. Para o conservador, todas as correntes de pensamento, não tendo necessariamente igual peso histórico e ideológico, têm contudo uma importância equivalente (embora não iguais) para que a História seja compreendida no seu todo ― assumindo assim uma visão holística e “representada” da História. Neste sentido, o conservador é um céptico que faz equivaler as diversas correntes de pensamento existentes ao longo da História; não é um céptico porque não acredita em nada: é um céptico porque acredita que todas as correntes filosóficas têm um peso especifico, e portanto, nenhuma delas é a eleita. Ora isto é exactamente o contrário do que faz a ideologia política.
Por isso, e ao contrário do que é propalado pelo Libertarismo, o conservador não é um fideísta religioso, isto é, alguém que repudia a razão. Ao contrário dos conservadores, os fideístas partilham uma visão sectária e de perspectiva exclusivista da sociedade e do mundo, e por isso, inserem-se dentro de uma lógica de ideologia política. Por exemplo, os extremistas islâmicos são fideístas, e o fundamentalismo islâmico é mais uma ideologia política do que uma visão conservadora da sociedade e do universo. Pelo contrário, o conservador considera a razão e a ciência como uma parte da verdade humana, embora não as considere ambas exclusivas, como o faz o cientificismo.
Ao recusar como princípios absolutos da realidade, o fideísmo fanático e o cientificismo ― que de tão racionalista se torna irracional e dogmático ―, o conservador não necessita, por esse facto, de negar a existência de uma ordem moral inerente a essa mesma realidade. Os conservadores dão uma atenção equivalente à falibilidade humana e aos esforços para ultrapassar essa falibilidade. Nesse sentido, o conservador adopta o princípio filosófico de que o Universo é “Tudo O Que Há”, e não necessariamente “Tudo o que Existe”, porque tudo o que existe limita o Universo àquilo que conhecemos já, enquanto que “o Tudo O Que Há” abrange a noção de Universo a tudo aquilo que conhecemos e também a tudo aquilo que ainda não conhecemos. Por isso, o conservador está aberto à religião revelada como uma manifestação desse Universo de “Tudo O Que Há”, embora o cientificismo e algumas ideologias políticas afirmem que Deus não existe porque defendem o primado do mundo “sensível” ― Tudo o que Existe ― sobre uma visão holística e “representada” do universo (Tudo O Que Há).
A primeira certeza que o ser humano adquire é a de que pensa (princípio do “cogito”). Portanto, a primeira certeza humana é subjectiva ― a verdade primeira acerca do real é a de que o pensamento existe, “cogitatio est”. Por isso, a realidade subjectiva de cada ser humano é tida em conta pelo conservador, em equivalência com a realidade objectiva definida pelo racionalismo ― não existe necessariamente uma supremacia valorativa e sistemática de uma em relação à outra. Se os objectos existem na Natureza independentemente do pensamento humano, a possibilidade da existência de um “pensamento universal” adquire uma probabilidade elevada a partir do princípio cartesiano do “cogito” ― como defende hoje a própria filosofia quântica.
(a continuar)
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