“Superar” é “conservar”; é herdar, e depois, acrescentar. Se o nosso pensamento não repensasse Descartes, e se este não tivesse repensado Aristóteles, o nosso pensamento seria primitivo. Portanto, “superar” é um continuum dinâmico que supera, conservando.
O que a Esquerda faz é exactamente o contrário disto: pretende “superar” sem “conservar”, e o resultado é que a Esquerda acaba por não superar nada e antes cria rupturas a vários níveis na sociedade, isto é, não superam nada e criam indeléveis traumas sociais de que os nossos filhos e netos terão que pagar a “factura” no futuro; foi assim com o estalinismo e com o nazismo (ambos de Esquerda), cujas “facturas” estamos a pagar agora. A esta ideia radical, segundo a qual é possível “superar” sem “conservar”, chamamos de “presentismo”.
O presentismo é uma característica da nova Esquerda europeia ― aquela esquerda post-estalinista ― e está ligado directamente ao marxismo cultural ou “politicamente correcto” ― que foi o que restou do marxismo-leninismo. E foi esse presentismo europeu que foi exportado para os Estados Unidos com a vitória de Obama.
O marxismo introduziu a desconstrução negativa da História (tentando “superar” sem “conservar”), e o existencialismo ― que se constituiu como a fase de putrefacção do marxismo ― abriu caminho à afirmação e enraizamento do marxismo cultural na nossa sociedade, e de tal forma, que até gente que se diz de “direita” adopta inconscientemente mecanismos do pensamento politicamente correcto.
Uma das características do presentismo é a negação da História. A História europeia ou não existe, ou é um chorrilho de mentiras, ou é uma abominação ― a História é um “mal” que convém eliminar da nossa memória colectiva. Desta ideia surgiu o conceito presentista de “Leis de Memória”, que censuram os historiadores “incorrectos”.
Porém, esta negação da História não é feita para tentar proteger um ideal nacional ― como o fazem os turcos com a negação do genocídio arménio. A negação presentista da História é feita de uma forma abstracta ― generalista ― em nome de uma concepção de futuro que se “deseja”, e está directamente ligada à noção de “desejo do devir” existencialista, mais tarde levada ao absurdo por Derrida e por Gilles Deleuze: a ideia de que o passado não tem a menor importância senão para justificar o futuro, e o presente nada mais é do que a preparação sistemática e constante desse futuro. Portanto, para o presentista, o passado é um inimigo fidagal.
Um caso concreto de uma “Lei de Memória” foi a lei francesa de 2001 que considerou a escravatura como um “crime contra a humanidade”, e que definiu que quem defendesse a escravatura seria punido com três anos de prisão. Quando um historiador francês, Olivier Grenouilleau, fez um estudo sobre a escravatura praticada entre as etnias africanas, e no qual afirmava Grenouilleau que a escravatura africana era cronologicamente anterior à escravatura perpetrada pelos europeus, um grupo de cidadãos franceses levantou um processo judicial contra Olivier Grenouilleau, com a acusação de este incorria num crime de “negação de um crime contra a humanidade” ao dizer que a escravatura entre pretos era anterior à escravatura de pretos por brancos. A verdade é que Grenouilleau tinha razão: muito antes dos europeus, já negros faziam escravos de outros negros. Mas os factos históricos não interessam aos presentistas do esquerdalho anti-europeu.
Muito antes dos europeus, os árabes islâmicos faziam escravos negros em África que traficavam para diversos pontos do globo. Contudo, o presentismo concentra a sua atenção exclusivamente na História europeia, porque o que se pretende é a destruição de um conjunto de valores culturais herdados da civilização europeia.
Muitos outros casos de presentismo anti-Europa deram lugar a uma espécie de negociação presentista: “Tudo bem! Eu até aceito o genocídio turco na Arménia se tu aceitares a fome estalinista na Ucrânia!” Contudo, os presentistas europeus parecem ignorar que, por exemplo em 1256 ― e sem as armas sofisticadas da Idade Moderna mas somente a fio-de-espada ― os mongóis fizeram 1 milhão de mortos na Pérsia, pondo fim ao califado dos Abássidas. Como os mongóis não eram “brancos”, o esquerdalho presentista já não sente a necessidade de instituir “Leis de Memória” que se apliquem neste caso, como noutros.
Aquilo que a História teve de positivo e de negativo, é para “conservar”, recordando, e para “superar” divulgando sem tabus exclusivistas e racistas de sinal contrário, pesquisando e deixando os técnicos pesquisarem sem complexos; as provas históricas devem ser descobertas, devem vir a público, testadas na sua veracidade, em liberdade, e encaradas simplesmente como parte de um processo histórico, sem conotações políticas à mistura. É isto que faz o Conservadorismo, mesmo que sujeito à repressão política do esquerdalho: superar, conservando.
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